sexta-feira, 28 de maio de 2010




A menina estava com o seu olhar perdido, perdido no azul imenso daquele céu. Abóbada que sustenta sua casa interior.

A menina subiu na árvore pra se sentir mais próxima do sol; queria experimentar o calor mais intenso dessa estrela faiscante. Quem dera pudesse ser seu próprio sol – pensava ela.

Daí a menina subiu na arvore, mas tinhas nuvens em demasia a nebular o tempo. Ela pensou, cá com seus botões: Hum, acho que hoje não é o meu dia. Mas continuou lá, em cima da árvore. De repente, lá vem ele... Glorioso e tão esperado sol.

Ela queria tanto poder pegá-lo com as próprias mãos e acorrentá-lo em seu coração. Assim, dentro dela seria sempre dia. Seria uma forma de amanhecer pra sempre. Pensava dessa forma porque ainda não compreendera o valor de uma noite escura, porque tão presa ao chão estava que fora impedida por si mesma de erguer os olhos e ver que existem estrelas que também iluminam.

Ficou tão maravilhada em sentir na pele aquele calor tão desejado, o vento a roçar-lhe a face, trazendo consigo aquele cheiro de relva úmida. Observava detalhadamente a forma como as folhinhas da árvore dançavam com maestria obedecendo as partituras que o vento compunha. Quis ser folha, quis ser terra, quis ser pedra, quis ser flor. E aí, enquanto se punha a tecer suas peripécias mentais, não percebeu que há um tempo certo até mesmo pra se expor ao sol, porque em demasia ele machuca, queima – mas só aquele que não sabe se proteger.

Assim, distraída garota, olhou em derredor e viu que as folhas secaram, caíram ao chão, jaziam na terra. As pedras racharam tamanho era o calor....E ali estava ela, em cima da árvore seca, queimada pelo sol...num terreno agreste, sequioso, desejoso desesperadamente por água, com a roupa molhada e a pele banhada pelo suor, língua colada ao céu da boca. O resto do tempo perdeu-se em queixumes, mas percebeu que isso não traria de volta as folhas que se foram, tampouco retardaria o desconforto do intenso calor. Não adiantava mais nada, a não ser descobrir o que ainda poderia ser feito de tudo aquilo que lhe restara. Lembrou-se, então, das palavras da poetisa que disse querer uma verdade inventada. Mas ela poderia inventar algo diante de tamanha lastima em que se encontrava? Sentiu estar cansada de inventar verdades mil, perdera-se mesmo assim e o infortúnio de não ter a realidade palpável a machucava intensamente.

Divagações não amenizam mais e há esperanças perversas, que falseiam de possível o que não se pode esperar, até pra isso há que se estar cônscio dos riscos a correr. Há sonhos que promovem e sonhos que paralisam. Há motivações erradas... E foi por isso que a menina perdeu todo aquele precioso tempo. E não compreendeu a dinâmica do girassol. Seu olhar apressado não lhe permitiu transliterar na vida a musica que faz dançar a natureza, qual seja, não é o sol que se volta para a flor, mas ao contrario, a flor é que desesperada volta-se sempre em direção a luz do seu amado, porque sabe que é ali que está a fonte de toda a vida que ela necessita.

A menina, entre lágrimas, gritou: Eureca, é isto! Fo-tos-sin-te-se. Metáfora da vida real, ação histórica do eterno em meu pormenor afetivo, dinamismo progressivo... Metanóia.

Ele disse: Ei desce daí. A menina olha pra baixo e diz assustada: “Como, não sei mais descer!”

Ora, da mesma forma que você subiu! Responde ele.

Nãooooooo, tenho medo de cair e me estatelar no chão. Já fiz isso noutras vezes, desequilibrei-me e fiquei toda ralada depois, não, não e não! - Retruca a menina, em tons imperativos.

Menina, então vem, pula que eu te seguro pelo colo. Lembras de quando era pequena? Sempre te pegava ao colo quando precisavas!

Ah, mais isso faz tanto tempo! Hoje cresci, tenho ate vergonha de ter que pular em teu colo novamente, você me ensinou a andar, mas parece que teimo em engatinhar. Sempre tropeçando.

Ele riu-se da menina. E disse: Minha menina, eu não estou aqui? Pares de contra-argumentar e pula. Esqueceste que já em meu tempo era eu um contraversor, lembras do que disse o meu amigo?! O tempo pra mim não se reveste de invólucros, porque o meu dia é sempre hoje. O eterno tem essa capacidade ousada de se reinventar todos os dias. Entendeu? E outra: vou te ensinar a andar quantas vezes precisares. Sabe por quê? Porque um dia tu aprenderás. Lembra como foi engraçado quando davas teus primeiros passos naquela bike rosa. Eu, imperceptivelmente, como sempre te observava e, volta e meia, dava-te uma forcinha. Já viu ne... todo pai caduca com sua cria. És a menina dos meus olhos. Vem, segue-me. Tenho tanta coisa a te ensinar.

A menina e seu olhar desconcertado, cansada de apenas esbarrar em si mesma, sentiu que sua pequenina alma ansiava novamente ser olhada do jeito certo, olhar que revela o melhor que há do lado de lá – o lado de dentro. Olhar que inaugura a lareira do amor dentro da choupana de seu frágil coração.

Tenho medo, gritou ela novamente. E mais uma vez, desatou-se a chorar.

Eu estou aqui, mas não pense que vou subir ai pra lhe buscar. Ou você desce por si mesma ou então pula, pois já falei que a ampararei. Decida-se! Vai ficar se lamentando pelo sol que machucou tua pele, sim, porque se insistires nisso, tua estação vai ser sempre a mesma, e ficarás impedida – por ti mesma- de receber a primavera que posso te dar de presente.

A menina e seu olhar de soslaio, sorriso assustado, fala mansa, pra não dizer fraca, responde: “Achas que não sei, ou melhor, sabes que eu sei, entretanto não faço. As folhas caem, porque essa é a dinâmica da vida, adormecem no solo adubando a terra para acordar na flor que já existe, porque parte da terra, só que ainda não brotou. As pedras que se partiram, partiram porque dividem a sina de fragmentar no chão o que não pode ser indiviso. E o sol nada mais faz do que obedecer a sua essência.

Boa garota, disse ele. Mas daí, quando vais descer dessa árvore? Já disse que não posso te puxar pelos braços, não compete a mim.

Não sei, respondeu a garota aprendiz de girassol.

Ele a olhava. Ela olhava pra ele, olhava pro sol, olhava pra folha, olhava pras pedras, pra terra, parecia contar grão por grão... Ele sabe o que aquela menina pensa, mas pergunta mesmo assim: O quê?!

Nada não, só estou tentando imaginar como vai ser a minha flor. Sabe de uma coisa, tu és minha melhor poesia.

Vais descer...?

A menina estava com o seu olhar perdido, perdido no azul imenso daquele céu...

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